Um património que responde aos desafios dos novos tempos
A apresentação destes activos do paladar alentejano, aptos a conquistarem outros mercados, será feita por quem conhece os seus segredos. O antropólogo Carlos Pedro revelará a tradição artesanal do fabrico do pão em Castro Verde e os desafios de uma industrialização que procura respeitar a essência da manufactura. O empresário José Guilherme, da Queijaria Guilherme, trará a Madrid, terra com pergaminhos na degustação de queijo, o testemunho dos queijos de Serpa, cada vez mais procurados pela restauração espanhola. Os enólogos Luís Leão, da Adega Cooperativa da Vidigueira, e Luís Mota Capitão, da Herdade do Cebolal, em Santiago do Cacém, destacarão as particularidades dos vinhos do Alentejo e da região de Setúbal, mostrando as complementaridades de duas áreas vinícolas cujos terroirs convergem em solo alentejano.
“Fruto de um diálogo iniciado em 2016, a parceria com a Escuela de Artes reflecte bem as preocupações do Terras sem Sombra em torno da afirmação do Alentejo como um destino internacional de arte e natureza”, assinala José António Falcão, director-geral do Terras sem Sombra. “O património gastronómico é um marco da nossa identidade e ajusta-se à perfeição ao objectivo de proporcionar, com o festival, uma experiência única do território que defendemos e damos a conhecer. Quem não recorda o legado de Rossini?”, realça esse historiador da arte, “pai” da iniciativa de património, música e biodiversidade que tornou o Alentejo mais conhecido fora de portas.
O crítico musical e professor universitário Juan Ángel Vela del Campo, responsável artístico pelo Terras sem Sombra, é um entusiasta desta ideia. Membro da Real Academia Espanhola de Gastronomia, o mais alto santuário da culinária no país vizinho, que reúne figuras tão conhecidas como Carlos Falcó, marquês de Grinón, ou Victor de la Serna, tem sido um embaixador activíssimo na promoção do que de melhor se come e bebe no Alentejo: “Espanha está finalmente a ultrapassar o desconhecimento que teve de Portugal, ao longo de gerações, e isto traduz-se numa abertura à cultura lusa que merece reflexão; mas torna-se indispensável captar as novas gerações, cujo interesse pela cozinha tradicional é palpável”.
Internacionalizar o Alentejo como destino de arte e natureza
O Alentejo revela alguns dos mais altos índices de preservação da Europa. Unindo a herança arquitectónica e histórica à música sacra e à conservação da biodiversidade, o Festival Terras sem Sombra tem vindo a terçar armas para a afirmação da região como um destino qualificado. “Este território evidencia um notável potencial para se afirmar nas principais rotas culturais europeias, mas isto não acontece por geração espontânea, é preciso dar provas, ao longo do tempo, de que existe um projecto de fundo”, salienta José António Falcão. E acrescenta: “o futuro de zonas de baixa densidade, como a nossa, depende em larga medida da internacionalização; se mantivermos degradado e fechado o património, religioso ou qualquer outro, estamos a condená-lo à extinção. Partilhar, aqui está a chave”.
Surgido em 2003 com o objectivo de abrir, a um público alargado, dezenas de igrejas restauradas, ao longo de décadas, pelo Departamento do Património Histórico e Artístico da Diocese de Beja (extinto em Abril passado pelo actual bispo), o Terras sem Sombra estendeu-se a outros monumentos e outros patrimónios, sem perder a sua identidade própria, ligada à música sacra. Hoje, mais do que um festival – a palavra banalizou-se em Portugal nos últimos anos, tal a multiplicação de eventos mais ou menos “festivaleiros” –, apresenta em cada ano uma temporada musical, de Janeiro a Julho, regressando depois, em cada Outono, para apresentar a programação do ano seguinte.
A colaboração com Espanha, o país convidado em 2017, tem sido uma constante desde que o Terras existe. De facto, imprime-lhe, do ponto de vista artístico, uma dimensão ibérica, passaporte para um lugar ao sol no exigente e sofisticado universo da música “erudita”. Algo já conseguido pelo festival alentejano, que arrancou precisamente este ano um dos poucos selos EFFE com cinco estrelas, o galardão máximo dos festivais ao nível europeu, no âmbito “clássico”, medindo forças com gigantes, como os de Lucerna ou Salzburgo, dotados de orçamentos milionários.
No Terras sem Sombra, o desafio prende-se sobretudo com a autenticidade dos patrimónios, a qualidade da programação e a mobilização das comunidades locais – tendo a sociedade civil e os municípios. Uma grande afinidade com o território revela-se alavanca fundamental para o projecto. A perspectiva defendida pelo festival é a de que se torna fundamental vinculá-lo ao desenvolvimento cultural, mas também social e económico, do Alentejo. Daí a atenção posta na valorização dos produtos de excelência da região.
Fotografia: Moinho de Vento em Castro Verde
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